Comentários de Rômulo Vilela
Recife, 20 de outubro de 2015
Prá início de conversa
Desde o lançamento do revolucionário O Capital de Karl Max em 1867, não se via um livro tão impactante quando este do Doutor Piketty. A obra de Max criou idéias que se tornaram revolucionárias, mas esta obra que comentaremos a seguir utilizou dados reais de séries históricas importantes ao redor do planeta. É a estatística em auxílio a economia, trazendo dados reais não apenas idéias como em Max.
O eixo central do livro, em minha opinião, trata da distribuição da riqueza e das desigualdades entre ricos e pobres.
O texto que apresento a seguir é um pequeno extrato do imenso livro (são 672 páginas) do Doutor Piketty. Não se trata de uma análise acadêmica do trabalho e sim frases retiradas do texto do livro que me chamaram atenção com pequenos comentários pessoais. Se você não leu o livro terá uma pequena amostra, e talvez fique motivado para ler o texto completo. Se já leu poderá dividir comigo suas impressões.
Vamos ao extrato do texto do Doutor Piketty. Meus comentários estão em itálico e negrito.
Tem que crescer
A tese central deste livro é que uma diferença que parece pequena entre a taxa de retorno do capital e a taxa de crescimento pode produzir, no longo prazo, efeitos muito potentes e desestabilizadores para a estrutura e a dinâmica da desigualdade numa sociedade
Quando a taxa de remuneração do capital ultrapassa a taxa de crescimento da produção e da renda, como ocorreu no século XIX e parece provável que volte a ocorrer no século XXI, o capitalismo produz automaticamente desigualdades insustentáveis, arbitrárias, que ameaçam de maneira radical os valores de meritocracia sobre os quais se fundão nossas sociedades democráticas.
A partir do momento em que o capital desempenha um papel útil no processo de produção, é natural que ele tenha um rendimento. E, a partir do momento em que o crescimento é baixo, é quase inevitável que esse rendimento do capital seja bem superior à taxa de crescimento, o que dá automaticamente uma importância desmedida às desigualdades patrimoniais vindas do passado.
Quando um país tem dificuldades para crescer, a distância entre pobres e ricos aumenta, pois economias de baixo crescimento tendem a possuir taxas de remuneração em renda fixa muito altas e isso leva aos mais ricos que possuem dinheiro aplicado e patrimônio ficarem mais ricos. Por sinal é esta a situação que vivemos hoje no Brasil. Todo o trabalho que foi feito de distribuição de renda nos últimos anos tenderá a desaparecer com o retorno dos ganhos de capital nas alturas como está agora. Quem esta aplicando em renda fixa está ficando cada vez mais rico, e o pobre que não tem como poupar, vendo sua renda ser corroída pela inflação está ficando cada vez mais pobre.
O capitalismo é amoral
Quando se discute a distribuição da riqueza, a política está sempre por perto.
O problema é que o sistema de preços não conhece nem limites, nem moral.
A hierarquia da fortuna não se refere apenas ao dinheiro, ela é também um assunto que diz respeito aos valores e a moral, tanto para indivíduos como para países.
O discurso de Vautrin no livro de Balzac: o pai Goriot:
Afinal, se a desigualdade social é sempre imoral, injustificada, por que não testar o limite da imoralidade e se apropriar do capital por qualquer meio disponível?
A marcha em direção à racionalidade econômica e tecnológica não implica, necessariamente, uma marcha rumo à racionalidade democrática e a meritocracia. A razão central é simples: a tecnologia, assim como o mercado, não tem limite ou moral.
A racionalidade econômica e tecnológica nada tem a ver com a racionalidade democrática. A democracia real e a justiça social exigem instituições específicas, que não são apenas as do mercado e também não podem ser reduzidas às instituições parlamentares e democráticas formais.
Uma frase que cresci ouvindo é que "dinheiro não leva o nome do dono". Isto quer dizer que não existe moral no dinheiro em si. A moeda de um país é uma função valor que facilita as trocas de mercadoria, mas também quando seu possuidor tem muito, vira instrumento de poder. As regras da moral devem estar nas relações sociais, a forma de se ganhar e acumular dinheiro deve ser regulada pelas relações sociais. O enriquecimento ilícito é crime e deve ser punido como tal. Quando o Estado interfere no mercado definindo onde e como as empresas devem ganhar dinheiro, a política, outra instituição amoral, passa a criar corrupção financeira, e aí ganha mais quem tem mais força política, desaparece a meritocracia. Isto não regula e sim destrói o mercado. Desta forma o país deixa de crescer e os pobres sofrem mais.
E a mão invisível do mercado?
Não há motivo algum para acreditar que o crescimento tende a se equilibrar de forma automática.
A desigualdade não é necessariamente um mal em si: a questão central é decidir se ela se justifica e se há razões concretas para ela exista.
O crescimento econômico é incapaz de satisfazer as esperanças democráticas e meritocráticas, que deve se apoiar na existência de instituições específicas.
Qual o papel do Estado nas democracias meritocráticas? Seria ingênuo achar que o capitalismo realmente possui uma função moral e ética de autorregulação que automaticamente reduzisse as desigualdades e promovesse a felicidade dos povos. Sem a interferência da sociedade as desigualdades só aumentarão. Porém regular para reduzir abusos não deve conferir ao Estado o papel de principal agente econômico nem o de pai dos pobres. O Estado superdimensionado só produz corrupção, e mais pobreza.
Qual o segredo do crescimento?
O processo de difusão de conhecimento e competências é o principal instrumento para aumentar a produtividade e ao mesmo tempo diminuir a desigualdade, trata-se, em essência, de um processo de difusão e partilha do conhecimento - o bem público por excelência - e não de um mecanismo de mercado.
...que basta garantir os direitos de propriedade e a livre operação dos mercados e enaltecer a concorrência "pura e perfeita " para se chegar a uma sociedade justa, próspera e harmoniosa. A tarefa, infelizmente, é mais complexa do que isso.
...as economias mais pobres diminuem o atraso em relação às mais ricas na medida em que conseguem alcançar o mesmo nível de conhecimento tecnológico, de qualificação da mão de obra, de educação,
A tecnologia moderna utiliza sempre muito capital, e a diversidade dos usos do capital leva a uma acumulação substancial sem que o rendimento afunde totalmente.
É o crescimento permanente da produtividade e da população que permite equilibrar a adição de novas unidades de capital.
Imagine que o capital tenha desaparecido, que teríamos passado de uma civilização fundada sobre o capital, sobre heranças e filiação, a outra baseada no capital humano e no mérito.
Todos os cidadãos deveriam se interessar com grande seriedade pelo dinheiro, por sua medida, pelos fatos e pelas evoluções que o rodeiam. Aqueles que possuem muito nunca se esquecem de defender seus interesses. Recusar-se a fazer contas raramente traz benefícios aos mais pobres.
Me parece claro que o conhecimento e o mérito são as fórmulas claras para uma sociedade crescer com igualdade e harmonia. A política não pressupõe estes métodos. Políticos nunca são bons empresários, são sempre péssimos distribuidores de renda. Discutir aborto ou casamento gay é muito diferente de tratar de câmbio ou de derivativos. O paternalismo com os pobres sempre tem se tornado em ajuda aos amigos que são péssimos empresários e só sobrevivem ganhando no superfaturamento e nos pixulecos. A sociedade que valoriza o mérito e o conhecimento verdadeiramente ajuda aos mais pobres sem trocar com eles esmolas em forma de bolsas família por votos.
O imposto
O papel principal do imposto sobre o capital não é financiar o Estado social, mas regular o capitalismo.
É importante compreender que o imposto é sempre mais do que um imposto: também é uma maneira de solidificar as definições e as categorias, produzir normas e permitir a organização da atividade econômica no que diz respeito ao direito e ao contexto jurídico.
As grandes funções soberanas do Estado moderno: polícia, justiça, exército, relações exteriores, manutenção geral. Tudo isso pode comprometer 7-8% da renda nacional.
A tributação não é somente uma maneira de fazer com que os indivíduos contribuam para o financiamento dos gastos públicos;... ela é útil, também, para identificar categorias e promover o conhecimento e a transparência democrática
Um governo que tende a arrecadar cada vez mais com desculpas que tem que salvar os necessitados, é mentiroso, incompetente e corrupto. Uma sociedade moderna permite que o governo arrecade uma pequena percentagem do PIB para fazer funcionar a máquina do Estado. Nesta sociedade o imposto é mais importante como mecanismo de conhecimento e transparência das atividades econômicas que como valor financeiro. Nada além de 10% do PIB considero saudável. Nosso pais hoje arrecada mais de 35% do PIB em impostos (g1.globo.com). Achando pouco estão querendo mais impostos. Isto sem considerar as empresas estatais e os bancos públicos alvos de pedaladas criminosas. Mais de 50% da nossa economia está na mão de políticos que são evidentemente incompetentes para cuidar do dinheiro do pais.
A importância do capital acumulado
As desigualdades devem considerar os três aspectos: da renda do trabalho; das heranças e os rendimentos do capital.
Se as taxas de crescimento da população e da produtividade forem relativamente baixas, o estoque acumulado de riqueza se torna, naturalmente, mais relevante com o passar do tempo.
Uma taxa de retorno anual de alguns pontos percentuais, acumulada ao longo de várias décadas, conduz automaticamente a uma expansão muito forte do capital inicial - contanto que os retornos sejam sempre reinvestidos ou ao menos que a parte consumida pelo detentor do capital não seja grande demais em comparação com a taxa de crescimento do país.
Um país que poupa muito e cresça lentamente acumula, no longo prazo, um enorme estoque de capital.
Nas sociedades em estagnação, os patrimônios do passado têm uma importância considerável.
Numa sociedade que enfrenta uma quase estagnação, a riqueza acumulada no passado ganha uma importância desmedida.
Uma redução do crescimento (demográfico e econômico) junto com um alto rendimento do capital (num contexto global de concorrência entre países), a herança ganhará uma importância como no século XIX.
Ser rico não é somente ganhar muito dinheiro, é também possuir estoques de capital em movimento. Costumo dizer que rico não é quem ganha muito dinheiro mas quem gasta pouco. A importância de se acumular capital é fundamental para a manutenção e crescimento da riqueza. Novamente o baixo crescimento favorece aqueles que possuem estoques de capital, tanto o que foi ganho como o que foi herdado. Guardar dinheiro é importante não somente para você como o é para seus filhos. Para o futuro dos seus filhos é melhor você guardar que deixar eles luxarem. O exemplo é importante mas não esquecer de ensinar o caminho da prosperidade.
Onde anda Karl Max?
Foi preciso chegar a meados do século XX para que as primeiras séries históricas sobre a distribuição de riqueza estivessem disponíveis, com a publicação em 1953 da obra de Kuznets.
Max rejeitou as hipóteses de que o progresso tecnológico pudesse ser duradouro e de que a produtividade fosse capaz de crescer de modo contínuo.
A propriedade privada e a economia de mercado não têm apenas a função de permitir que os detentores do capital dominem os trabalhadores. Essas instituições desempenham também um papel útil para coordenar as ações de milhões de indivíduos. (Este é o motivo da falha da supressão da propriedade privada:Max)
As fontes utilizadas neste livro:
Séries de dados que lidam diretamente com a desigualdade e a distribuição de renda;
Séries de dados que lidam com a distribuição da riqueza e a relação entre riqueza e a renda.
Levando em conta que esses países (Ásia (exceto Japão), África e América do Sul), no total, representam pouco mais de um quinto do PIB mundial, o impacto sobre a razão capital/renda mundial é um tanto limitado.
No início do século XX, 1 libra esterlina valia em torno de 5 dólares, 20 marcos e 25 francos.
O que impede a reconstituição de uma sociedade de rentistas extrema como na França antes das guerras mundiais é o arcabouço fiscal progressivo que incide sobre as rendas, o patrimônio e as heranças.
O exaustivo estudo de dados feito pelo grupo de pesquisa do Doutor Piketty, representa ao meu ver o maior legado desta obra. Quando Max escreveu seu livro revolucionário, ele criou idéias importantes que vieram a ser debatidas durante décadas com ferozes lutas ideológicas, mas suas hipóteses não podiam ser verificadas por falta de dados. Neste livro um enorme banco de dados foi utilizado pela equipe de pesquisadores. Infelizmente o Brasil não foi citado devido em boa parte a inexistência de informações confiáveis e também devido ao desinteresse do país em fornecer informações, de acordo com a entrevista de Piketty ao Milenio da Globo News.
As leis fundamentais
A equação alpha = r x beta é considerada a primeira lei fundamental do capitalismo, onde:
beta= relação capital/renda;
r= taxa de remuneração do capital;
alpha= participação do capital na renda.
A segunda lei fundamental:
beta= s/g onde:
beta=razão capital/renda
s=taxa de poupança
g=taxa de da renda
Nenhum mecanismo auto-corretivo impede que a alta contínua da relação capital/renda (beta), venha acompanhada de uma expansão permanente da participação do capital na renda nacional (alpha).
Estas fórmulas são muito técnicas mas é importante conhecer o significado do beta. Esta relação nos mostra uma idéia do estoque de capital em relação a renda que este capital produz. Para um país poder crescer, é preciso a existência de um bom estoque de capitais. Na maioria das vezes estes capitais vem de diversos investidores na maioria internacionais. Os investidores porém só investem, isto é deixam seus estoques num determinado país, se a remuneração deste capital for atraente e se o país for confiável.
O alpha é a participação do capital na renda nacional, representa quanto a produção depende de estoques de capitais. Esta dependência pode nos mostrar quanto um país é vulnerável no seu crescimento, da existência de capitais estrangeiros. Tudo passa pela confiança, coisa escassa no nosso pais hoje.
A segunda equação também ressalta a importância do beta, só que ligada a taxa de poupança. Aqui a lição volta para a importância do crescimento, pois uma baixa taxa de crescimento, aumenta a importância do capital na formação da riqueza o que faz com que quem tem dinheiro se aproprie mais da riqueza e fique ainda mais rico e o trabalhador ainda mais pobre. A lição é terrível: sem crescimento não existe possibilidade de distribuição de renda.
A análise da riqueza
A análise se baseia nos conceitos estatísticos: os 10% mais ricos, os 40% do meio e os 50% mais pobres.
o 1% dos assalariados mais bem remunerados ganha em média €10.000 por mês, os 9% seguintes ganham €3.300 por mês, enquanto os 10% mais bem remunerados ganham €4.000 por mês onde o salário médio é de €2.000 por mês. Os 40% do meio ganham em média €2.250 por mês e os outro 50% mais baixos €1.400 por mês.
10% do topo €7.000 por mês
1% do topo €24.000 por mês
40% do meio €2.000 por mês
50% da base €1.000 por mês
50% da base: de €30 mil a €40 mil
Infelizmente não temos os dados do Brasil, mas de acordo com o Doutor Piketty, nos países como o nosso, a desigualdade é muito maior. Temos uma minoria de 1% de brasileiros ainda mais ricos que os americanos e britânicos. O bolsa família e os programas sociais do PT, não resolverão a enorme desigualdade se não houver crescimento econômico. E crescimento só vem com credibilidade, não vêm com pedaladas e mentiras.
Aproveite e faça uma simulação transformando seu salário e seu patrimônio em euros, hoje e dois anos atrás, compare sua posição com os países mostrados acima e veja como empobrecemos em menos de dois anos.
Algumas frases genéricas
Capitalismo do Reno, é um modelo econômico no qual a propriedade das empresas pertence não somente aos acionistas, mas também aos representantes dos funcionários
O milésimo superior (0,1%) se beneficia de um crescimento de seu patrimônio de 6% ao ano, enquanto a progressão do patrimônio médio é de apenas 2% ao ano.
O fundo soberano da Noruega em 2013 era de €700 bilhões, o maior de todos os países.
A dinâmica da distribuição mundial do capital é um processo ao mesmo tempo econômico, político e militar.